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O saco grande

Dois sacos, é o que você encontra em algumas companhias aéreas. Um pequeno, para grandes indisposições, e um grande para pequenas disposições. Neste somos convidados a dispor do lixo, quando as comissárias o arrastam pelo corredor, anunciando: "Vamos recolher copos, papéis e jornais, para que os passageiros que aqui embarcarem encontrem a cabine limpa e arrumada".

Acho ótimo, pois também não gosto de encontrar lixo dos outros. Exemplos? Surpresa no vaso sanitário, cabelo no pente e elevador fedido, denunciando que alguém passou por ali sem respeitar quem vinha depois. Casos mais graves incluem a descoberta tardia de um porta-papel só com o osso do papel higiênico, aquele tubinho extremamente desconfortável e pouco absorvente.

Pensei nisso ao ser convidado para uma série de palestras sobre aquecimento global, um assunto que não parecia tão escabroso em meus tempos de bicho-grilo. Acho que só faltou você para eu contar que fui ativista ecológico nos tempos de faculdade. Tão radical, que saí de lá direto para morar três anos no mato em busca de uma forma de salvar o planeta. Já deve ter reparado que não encontrei.

Meu trabalho de conclusão do curso de arquitetura e urbanismo foi o projeto de uma comunidade agrícola usando tecnologias alternativas e recursos renováveis. Na época a colocação daquelas idéias em prática esbarrava em 4,5 bilhões de problemas, número que hoje atinge os 6,5 bilhões.

Não há nada de errado com o planeta. O problema está com as pessoas que moram nele. Estou cada vez mais convencido de que preciso ajudar as comissárias a passarem o saco grande e deixar a cabine limpa para os passageiros que embarcarem depois que eu embarcar. Estou aqui apenas pensando em voz alta o que já faço e ainda preciso fazer.

Já reduzi o consumo de carne vermelha há algum tempo e meu próximo carro será movido a álcool. Combustíveis fósseis e pum de ruminantes são dois grandes responsáveis pelo aquecimento global, o segundo respondendo por 25% do problema. Além disso, a produção de um quilo de carne exige 15 mil litros de água. Quando alguém disser que a vaca foi pro brejo pode acreditar que o brejo vai secar.

Também venho usando o mínimo de toalhas de papel em banheiros públicos e já caminho até o varejão perto de casa munido de duas velhas sacolas de ráfia, para evitar colocar em sacolinhas as frutas e verduras já ensacadas. Além disso, dou preferência a produtos orgânicos, embalagens recicláveis e equipamentos com selo "energy saver".

Mesmo assim vou continuar com a consciência pesada pelas constantes viagens de avião, o Cascão dos ares. Tomara que as empresas parem de fazer eventos longe da sede, assim menos gente precisa viajar e eu não preciso cruzar o país para falar a pessoas que moram do outro lado de minha rua.

Sei que minha ajuda é uma gota no oceano, mas o oceano não é feito de gotas? Em "O homem que plantava árvores" Jean Giono conta a história de Elzéard Bouffier, um pastor de ovelhas que transforma um desolado vale em exuberante floresta enfiando sementinhas no solo com seu cajado enquanto pastoreia. No processo ele muda de profissão para evitar que as ovelhas prejudiquem as árvores novas. Vira criador de abelhas.

Embora seja uma obra de ficção, a vida imita a arte pelas mãos de pessoas como Abdul Karim, que criou uma floresta na Índia usando o método de Bouffier, e Wangari Maathai, Prêmio Nobel de 2004 e fundadora do Greenbelt Movement, que plantou 30 milhões de árvores para recuperar o meio-ambiente do Quênia.

Se você acha que coisas pequenas são insignificantes, pense nos emergentes da China que resolveram substituir os velhos pauzinhos laváveis pelos modernos hashis descartáveis. No ano passado 450 bilhões deles foram produzidos às custas de 25 milhões de árvores. Será que alguém podia ir até lá avisar que já inventaram o garfo?

Pode parecer bobagem me preocupar com isso, já que com a minha idade não falta muito para atingir a marca da longevidade do brasileiro. Embora sinta pena de meus amigos de infância -- você não imagina o quanto eles envelheceram! -- sinto-me jovem o suficiente para ajudar a passar o saco grande e deixar a cabine limpa para meus filhos e netos.

Mas não são todos que me vêem jovem assim, como realmente sou. Na sala de embarque do aeroporto de Porto Seguro, uma menininha começou a brincar com a alça de minha mala, até ser interrompida pela bronca da mãe, que também acertou em mim:

-- Não mexa aí que o vovô não gosta.



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E a gorjeta, doutor?

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