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Missao Made in China

Quando é que uma Missão Impossível fica possível? Quando o capitalismo vai para a tela do cinema. Fico anos sem ir ao cinema, e quando vou percebo que muita coisa mudou. Num fim de tarde folgado, aproveitei para ir ver "Missão Impossível" num cinema de shopping. Brinquei com o rapaz do guichê: "Idoso paga meia, né?". Para minha surpresa ele respondeu que sim! Aí pediu para eu marcar o assento. Marcar assento? Antes que eu explicasse que não iria pegar o mesmo voo do Tom Cruise, ele apontou para uma tela cheia de letras e números bem na minha cara sobre o balcão.

O vídeo de segurança que gravou meu atendimento já deve ter virado hit no Youtube, tamanha era minha expressão de idiota. Querendo ser mais moderno que a modernidade, fiquei apertando a tela do monitor achando que era touch screen. Não era. Antes que eu furasse a tela com a unha o atendente pediu que eu dissesse uma letra e um número qualquer e recebi o ingresso. Lembrei-me da idosa numa agência de um banco onde trabalhei na época da instalação dos primeiros quiosques de autoatendimento. Uma voz de lata saía do quiosque dando as instruções, e quando a voz falou “Informe sua senha” a velhinha abaixou-se e, fazendo conchinha com as mãos, disse algo no orifício de onde tinha saído a voz.

Quando entrei na sala escura percebi que tinha perdido tempo escolhendo poltrona. Quem consegue enxergar letras e números num lugar assim? Sentei-me onde quis sentar, evitando as quatro únicas poltronas ocupadas numa sessão vespertina como aquela, mas não pude evitar que o passado voltasse para me assombrar. Lembrei-me de uma sessão vespertina em um imenso cinema que existia no centro São Paulo. Sentei-me naquela fileira que tem um largo corredor para esticar as pernas e, com o canto do olho, vi um homem, vindo do sol da tarde, parar no início da fileira. Aí ele veio caminhando de lado, passo a passo, com todo cuidado, como se existissem encostos de poltrona à sua frente. Mas só existia o largo corredor de poltronas vazias, exceto a minha. Então ele parou bem na minha frente e sentou-se. O salto que o homem deu foi digno de um Tom Cruise.

De volta à sala de cinema do século 21, fiquei esperando começar o "Canal 100" para ver os gols da copa de 70 e as notícias da última guerra, mas pelo jeito não passam mais "Canal 100". E nem aquele Condor, que aparecia antes do filme para a plateia gritar "Xô! Xô!" e ele voar do pico da montanha. Assisti a meia hora de propagandas e trailers, e aqui vai uma dica: Quanto pior for o filme, maior é o trailer que passam para atrair os incautos. Conferi dez vezes se meu celular estava desligado, porque o boneco de uma animação não se cansava de cantar a ordem repetidas vezes, e começou o filme principal. Aí veio a surpresa!

Quando eu via "Missão Impossível" nos anos 60 na TV o inimigo era fictício, mas se vestia como comunista, falava como comunista e agia como comunista. Só não era vermelho porque a TV era preto e branco. Eram os tempos da Guerra Fria, mas uma série politicamente correta precisava seguir à risca a frase “os personagens deste filme são fictícios”. É mais ou menos como aquele que diz que vai contar uma piada de alemão para driblar o preconceito, e começa assim: “Era uma vez dois sujeitos, um se chamava Manoel e outro Joaquim...”

Dos anos 60 para cá a Guerra Fria virou sinônimo de briga de marcas de cerveja e as cortinas de ferro e bambu viraram meras divisórias removíveis. Restou apenas uma grande potência, a China, que ainda faz pose de comunista enquanto se refestela no capitalismo. As outras que se vestem de vermelho com estrelinha na boina posando de comunistas, só servem para sustentar ditadores, corruptos e humoristas.

A trilha musical do novo “Missão Impossível” ainda lembra a original, mas fiquei frustrado ao saber que até o mocinho trocou de lado. Não que o Tom Cruise tenha virado comunista, mas como o melhor do comunismo é ser capitalista no Partido, descobri que quem investiu para produzir minha diversão vespertina foi a China. Exatamente, a mesma que na década em que Tom Cruise nasceu tinha patrulhas de fanáticos brandindo bandeiras vermelhas, invadindo casas e lojas, e destruindo qualquer objeto de arte e cultura que lembrasse o imperialismo ocidental. Você já deve ter visto este filme.

Então, se você quiser saber qual é a “Nação Secreta” que deu título ao filme, é só prestar atenção nos créditos da tela de abertura: “China Movie Channel” e “Alibaba Pictures Group”. Quanto à ideologia comunista, à qual tantos se aferravam no passado, hoje ela é mais descartável que os capangas do vilão de “Missão Impossível”. Ah, não me venha dizer que sou chato por ter contado que os capangas do vilão morrem às pencas! Capangas de vilão são assim mesmo: descartáveis no final.

Mario Persona é palestrante de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional. Seus serviços, livros, textos e entrevistas podem ser encontrados em www.mariopersona.com.br

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Um comentário:

  1. Na verdade, o melhor daquela época era o canal 100, tanto era, que é lembrado pela rapaziada que paga meia entrada hoje nos cinemas, por causa dos cabelos brancos.

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