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Conversa ao Telefone no Dia do Professor - Mario Persona

Durante alguns anos, e a convite de uma instituição de ensino, lecionei Administração Mercadológica em seus cursos de Administração de Empresas. Fui igualmente convidado para lecionar em um MBA em uma universidade e a dar palestras em eventos acadêmicos em todo o país, sempre com base em minha experiência de mercado, no conhecimento autodidata, em minhas traduções de livros acadêmicos nas áreas de Marketing e Administração, além de meus livros e artigos publicados desde 2001. Um belo dia em 2005 recebi da instituição onde lecionava um comunicado: o Ministério da Educação e Cultura estaria fazendo um pente fino na qualificação dos professores universitários. Foi então que deixei de lecionar ali. Para mim aquilo veio até em boa hora, pois o volume de viagens e palestras já começava a pesar, motivo pelo qual acabei deixando também de atuar em consultoria. Na época escrevi uma crônica de um telefonema imaginário que transcrevo aqui.

— Alô, gostaria de falar com algum especialista do ensino.

— Sim, pode falar comigo.

— Ok, desculpe ligar logo no Dia do Professor, mas algo me inquieta. Por gentileza, qual o seu nome?

— Máximo Escolástico Cursino.

— Ok, seu Máximo Esco... Xiii... já esqueci...

— Pode me chamar pelo apelido, "MEC".

— Está bem, 'seu Mec', o assunto é o seguinte. Eu lecionava marketing para uma turma de Administração de Empresas e agora...

— Não vai poder mais lecionar. É isso?

— Puxa, você está por dentro mesmo, hein? É verdade o que estão dizendo por aí?

— É. Você não é administrador formado e registrado no conselho?

— Não, minha formação não é em administração. Arquitetura e urbanismo, tipo descobrir necessidades das pessoas e dos habitantes das cidades, criar ambientes, ter visão espacial, coisas assim... Mas minha atuação profissional é em marketing, faço palestras, leciono em MBA, tenho alguns livros publicados, artigos...

— Não importa. O que vale é ser administrador se quiser ensinar administrador em cursos de graduação. "Cabe ao administrador exercer o magistério das matérias técnicas dos campos da administração nos cursos de graduação... bla, bla, bla..." 

— Rapaz, você sabe de cor, hein? Todas as disciplinas?

— As profissionalizantes, relacionadas com as áreas específicas e que envolvam teorias da administração e das organizações e a administração de recursos humanos, mercadologia e marketing, materiais, produção e logística, administração financeira e orçamentária, sistemas de informações, planejamento estratégico e serviços.

— Entendi... isso ainda deixa espaço para muitas disciplinas, né? E se tiver experiência de mercado, se puder trazer conhecimento de primeira mão de como é no mundo real...

— A norma é clara.

— É, a norma... Humm... E se eu convidasse alguns nomes conhecidos do mercado para lecionar em meu lugar?

— Quem são?

— Bem, alguns já são falecidos, mas vou citar mesmo assim para tentar entender. Tem o Peter, sabe qual é? O sobrenome é Drucker, que escreveu um montão de livros de administração, muitos deles usados nas faculdades.

— É administrador de empresas?

— Não, ele era advogado e estatístico.

— Não poderia lecionar em nossas faculdades.

— Hummm... tenho outros aqui numa lista que peguei na Internet, não tenho certeza, mas acho que nenhum deles estaria qualificado para ensinar em nossas faculdades de administração, mesmo que seus livros sejam usados nas faculdades de administração...

— Sem diploma de administrador em uma instituição reconhecida, nada feito.

— Deixe-me ver... tinha o Antonio Hermírio que era brasileiro, mas era engenheiro civil... Tinha o Steve Jobs, mas abandonou os estudos... pensei ainda no Bill Gates, mas nem faculdade tem.

— Nenhum deles poderia lecionar. Sabe por que foi tomada essa decisão?

— Não, mas gostaria de saber.

— Para melhorar a qualidade do ensino nas faculdades de administração. Apenas administradores formados têm capacidade e competência para ensinar disciplinas que são críticas para a boa administração de uma empresa.

— Entendi... então o Bill não serve. Vou ter que pensar em outro.

— Você compreendeu bem a razão?

— Claro, se você diz que isso vai melhorar a qualidade dos profissionais que sairão de nossas faculdades, quem sou eu para contestar? Além disso cria uma reserva de mercado de trabalho para administradores que não poderiam lecionar se o critério fosse apenas de experiência, né? Ainda bem que não estamos falando em ciência da computação e outras áreas do conhecimento que não existiam há alguns anos, pois se assim fosse ninguém jamais teria um diploma nessa área, pois se os pioneiros autodidatas não podiam ensinar em nossas faculdades, com quem os novos profissionais aprenderiam? Mas vamos nos concentrar no curso de administração de empresas... só estou pensando em quem poderia indicar para lecionar marketing em meu lugar... Acho que só resta eu indicar um ex-aluno meu. Pode ser?

— Pode, desde que seja graduado.

— Então está resolvido! Vou indicar um ex-aluno que acabou de se formar. Rapaz inteligente, comunicativo, gente boa.

— Tenho certeza de que ele tem muito a agregar para a melhoria do ensino.

— Certamente. Você está coberto de razão. Isso deve dar prestígio à profissão. E estou até pensando em voltar a lecionar daqui a algum tempo. Será que se eu prestar vestibular e cursar administração posso voltar a lecionar?

— Claro, nada impede, desde que tenha também o registro no conselho.

— Ótimo! Então é isso que vou fazer! Acho que consigo eliminar algumas disciplinas pelo curso que fiz quando estudei. Daqui a quatro anos eu... Êpa! Surgiu uma dúvida. Posso eliminar marketing ou administração mercadológica, já que era eu o professor?

— Não, se não cursou a disciplina quando esteve na faculdade.

— Não, não cursei.

— Então vai precisar fazer a disciplina, como todos os alunos.

— Quer dizer que vou ser aluno de meu aluno e ele vai ser professor de seu professor? Quando eu tiver dúvidas na aula, devo perguntar para quem? Para ele ou para mim?

— Não entendi.

— É, acho que você não vai conseguir entender. A situação vai ser estranha e perigosa. Já pensou se meu aluno me reprova? Como poderia me considerar inapto nessa disciplina se foi comigo que aprendeu o que sabe?

— Continuo sem entender...

— E nem esperaria que entendesse, estou pensando em voz alta e... hummm... acho que não, não vou cursar administração não.

— Por que?

— Porque não confio nessa qualidade do ensino. Veja bem, vou ser aluno de meu aluno para aprender o que ensinei a ele, não é?

— É.

— Que confiança posso ter no que vou aprender, se ele aprendeu comigo, alguém que agora o sistema considera que não tinha capacidade para ensinar? Vamos deixar assim. Vou continuar com minhas outras atividades, escrevendo livros e artigos de marketing e lecionando em MBA na mesma área, pois é com base em minha experiência de mercado, conhecimento autodidata e livros publicados que sou contratado. Obrigado pelas informações e pela paciência em ouvir.

— Não tem de quê.

— Até logo.

— Até logo. Mario Persona é palestrante de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional. Seus serviços, livros, textos e entrevistas podem ser encontrados em www.mariopersona.com.br

© Mario Persona  - Quer publicar Mario Persona CAFE em seu blog? Não se esqueça de colocar um link apontando para www.mariopersona.com.br .

2 comentários:

  1. Excelente texto! Prazeroso de se ler, embora mostre o quão pequena é a visão dos nossos gestores, inclusive podemos refletir em várias áreas das nossas vidas...
    Abraços

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  2. Sempre fico por aqui,lendo seus textos. são maravilhosos!

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