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Memoria como areia nos dentes

Algumas formas de memória são tão poderosas que nos acompanham por toda a vida. A memória musical, por exemplo, que os pesquisadores descobriram ser mais forte até que os casos mais graves do Mal de Alzheimer. Pessoas que já não respondem a estímulos de qualquer natureza, saem de sua letargia quando escutam a música que marcou sua infância ou juventude.

Memória olfativa também é poderosíssima. Às vezes caminhando pelo centro da cidade sou levado de repente para minha adolescência nos Estados Unidos, onde vivi algum tempo como estudante de intercâmbio. Ali sentia com frequência um aroma que não era comum no Brasil, uma receita de ketchup e mostarda usada em algumas lanchonetes nos hambúrgueres.

Só para você se situar, em minha adolescência o Brasil estava na era pré-McDonald's e os sanduíches aqui eram o bauru (pão francês, bife, queijo e tomate), o americano (pão francês, queijo, presunto, ovo e tomate) e o misto quente (pão de forma com queijo e presunto). As receitas podiam variar dependendo do lugar. Havia também o cachorro quente, que não vinha com batata palha ou outros ingredientes, além do pão com mortadela. Minha mãe fazia às vezes hambúrguer em casa, mas não me lembro de encontrar isso em lanchonetes.

Outra memória poderosa é a gustativa, que escreve em nosso paladar momentos únicos do passado que nunca desaparecem. O gosto do refrigerante Dr. Pepper, por exemplo, é um que me leva de volta à adolescência em terras americanas, e cada vez que piso nos Estados Unidos preciso tomar um Dr. Pepper para me sentir com a missão comprida.

Mas um sabor que me faz viajar ainda mais distante no passado eu acabei de sentir agora mesmo, quando enfiei na boca um punhado de biscoitos de polvilho do tipo doce (o salgado é o mais comum). Meus pais compravam o biscoito doce na praia de Santos, quando íamos de férias e ficávamos hospedados na Pensão Paulista.

Imagem retirada do site Novo Milênio e publicada na revista santista Flama de dezembro de 1943
(imagem do acervo do historiador Waldir Rueda)
Na areia eu costumava estar equipado já com um baldinho de lata (comprado na própria pensão) que era vendido cheio de balas e vinha também com uma pazinha de madeira. Às vezes ganhava também um barquinho de madeira que vinha igualmente cheio de balas condicionadas em papel celofane. Sou do tempo em que brinquedos de plástico ainda não existiam. Então quando aparecia o vendedor de biscoito eu queria o doce, e a assinatura permaneceu em meu cérebro desde então.

Meu pai, minha irmã e eu na praia de José Menino, Santos.
Mastigar um biscoito me leva a sentir, não só o gosto da infância, mas também garanto a você que sou capaz de ouvir o barulho das ondas, a brisa do mar e o cheiro de maresia. Está tudo no pacote da experiência gustativa. Só falta uma coisa, e você pode não acreditar, mas até hoje mastigo com cuidado esperando ouvir o "Créc" de algum grão de areia nos dentes. Agora não acontece, mas sempre acontecia, principalmente com um menino comendo biscoito de polvilho com as mãos cheias da areia de um castelo que eu acreditava que duraria para sempre.

Mario Persona é palestrante de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional. Seus serviços, livros, textos e entrevistas podem ser encontrados em www.mariopersona.com.br

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