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Sola Pizza

Geraldo me aguardava no aeroporto no Rio. Falante, seria o motorista a me acompanhar a Cabo Frio para um negócio. Arrumado, colarinho branco e gravata, Geraldo podia ser confundido com um executivo ou deputado. No carro foi logo apresentando suas credenciais de malandro. Sabe como é, o típico malandrus brasiliensis. Nem ladrão, nem facínora, apenas malandro, como todo brasileiro se gaba de ser.

Conversado, sotaque carioca, Geraldo fez a viagem parecer breve e leve com suas histórias de jeitinhos, subornos e embromações. A típica biografia não-autorizada do típico brasileiro não-autorizado. No vocabulário, Geraldo se expressava bem politicamente, sem o obrigatório adjetivo "correto" para a palavra parecer verossímil.

Em Cabo Frio, convidei Geraldo para almoçar comigo um belo peixe num restaurante avarandado. Não quis. Disse que, não estava com fome, que comeria um salgado num boteco qualquer, que era assim que fazia. Desconfiei. Na mesa tinha linguado com alcaparras. Na desculpa tinha truta.

Já que a malandragem é unha e carne com a corrupção, vestir a primeira como a camisa listrada do patrimônio cultural de nosso povo inclui levar a segunda na cueca. É claro que malandragem tem em todo lugar, mas ninguém consegue cantá-la com a ginga nacional. Nem de perto. Porque exige jogo de cintura — dengo para requebrar princípios e sapatear convenções. Aqui honestidade acaba em samba-enredo e ética em carro alegórico. Sério! Sério?

Aí o brasileiro médio — e também o brasileiro grande e o pequeno — vai trabalhar numa empresa de grife e é amestrado em coisas como visão, missão, valores, crenças, atitude... A princípio fica contente, porque foi isso que aprendeu da mãe que carregava o lar nas costas enquanto o pai bebia o bar, ou da professorinha que lecionava mais por missão do que por remuneração.

Até que um belo dia o chefe pede para lançar algo no caixa dois, levar o cliente ao bordel, conluiar o loteamento da licitação. É aí que dá "tilt" na cabeça do sujeito que descobre que em tudo — governos e empresas — há dois pesos, duas medidas e duas bocas. Quem não leva mala é mala. É a maneira fácil, a porta larga, o caminho espaçoso que ninguém se importa para onde conduz. Em casa liga a TV e o presidente diz: "É o que é feito no Brasil sistematicamente". Naturalmente.

Sim, corrupção é o caminho natural das coisas. Tudo se corrompe, naturalmente. A carne sem sal amanhã é carniça. Esqueça a banana na fruteira e vai virar lixo. Corrupção é o destino natural e fácil de tudo, a menos que haja uma intervenção ativa. Corrupção é um processo passivo. Ser diferente é ser ativo.

Quando Jesus chamou seus discípulos de sal do mundo o sentido era do sabor, mas também da conservação da integridade. O sal evita que a carne se deteriore. Mas até Suas palavras foram corrompidas na boca dos homens. Alguém definiu o cristianismo divino como a neve pura do céu e a cristandade humana como a lama em que se transforma a neve quando pisada na terra.

Numa época quando as estrelas caem — quando os poderes governantes se corrompem — o que resta de Norte para a bússola humana senão Deus? Quando a responsabilidade coletiva se enlameia, o que fazer da responsabilidade pessoal? Preservá-la, mesmo porque a prestação de contas é individual. Salgá-la, para que não se corrompa. Temperá-la, para que outros vejam que honestidade tem mais sabor.

O Livro de Provérbios diz que "suave é ao homem o pão da mentira; mas depois a sua boca se enche de pedrinhas" (Provérbios 20:17). Eu estava para ver o quanto isso tem de verdade na viagem de volta de Cabo Frio. Descobri que enquanto eu almoçava o linguado, Geraldo tramava uma truta que acabaria virando traíra.

— Nem almoçou, Geraldo? — perguntei, no carro na viagem de volta.

— Que nada, fiz melhor. Comi uma fatia de pizza num boteco e peguei uma nota de refeição bem maior. A empresa reembolsa e saio ganhando. — riu ele da própria esperteza.

— Posso ver a nota? — pedi.

A letra trêmula dizia "Despeza de refeissão", seguida do valor. No alto da nota fiscal, a razão social e descrição da empresa: "Sapataria do Aníbal - Meia-sola, Salto e Consertos em Geral".

— Estava dura a pizza? — perguntei, rindo e apontando para o detalhe que Geraldo não tinha percebido.

A viagem de volta foi tranqüila e silenciosa. Apenas ocasionalmente Geraldo abria a boca para xingar o dono do boteco clandestino, cuja nota fiscal jamais se atreveria a apresentar para reembolso.



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Administrador Ético, O
KEN BLANCHARD, MICHAEL O´CONNOR


O autor de "Gerente Minuto" e um pesquisador comportamental mostram um plano realista para determinar as principais crenças da empresa e colocá-las em prática na busca de satisfação real, dentro e fora da companhia. Os autores mostram como empresas de todos os tipos podem alcançar um novo patamar organizacional sem desprezar valores básicos. Um livro que defende a idéia de que as grandes organizações podem adotar práticas capazes de beneficiar a todos. A integridade compensa, não é preciso roubar para vencer, é o que ensina este livro sobre a importância das responsabilidades morais e sociais na administração. O estilo é o mesmo de "Gerente Minuto" e dos outros livros de Ken Blanchard, o que faz do livro uma leitura fácil. Um livro escrito para CEOs e pessoas da alta gerência.


E a gorjeta, doutor?

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