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Nem tudo que reluz é ouro

JOVEM UNIVERSITÁRIO, dezenove anos, simpático, condução própria, procura garota para relacionamento afetivo. Eu me sentia assim, quando o recepcionista do Casa Grande Hotel, no Guarujá, abriu a porta de meu Corcel 74 para eu descer. A garota, colega de faculdade que passava as férias na mesma cidade, estava hospedada ali e aceitara meu convite para uma tarde juntos. Meu sonho se transformava em realidade.

Nem bem a recepção anunciara minha chegada, vi um membro da tropa de batedores marchando em minha direção. Era a mãe da garota, vindo fazer o reconhecimento do terreno. Logo percebi que nem a minha melhor calça boca-de-sino, e nem camisa justa ou o meio tubo de desodorante que gastei, iriam ajudar naquele momento. O negócio era apelar.

— Qual o seu nome? — começou o interrogatório.

— Mario Buzolin — respondi, limitando-me ao meu sobrenome do meio e fazendo cara de quem perguntava se tinha sido aprovado. Eu sabia que eles eram judeus e achei que a terminação “in” do sobrenome materno poderia soar mais familiar naquela hora do quebra-gelo. Felizmente a garota chegou antes da próxima pergunta. Teria ficado evidente que meu estratagema de tentar parecer o que não era tinha a solidez de uma geleia. O “Buzolin” de meu sobrenome não passava de um sobrenome italiano cujo “i” do final deve ter caído de algum ramo da árvore genealógica.

Empresas também costumam usar de estratagemas para parecerem o que não são, e a tecnologia tem ajudado. Antigamente era preciso investimento para se criar uma imagem respeitável. Sede própria, catálogos impressos, telefonistas, assessoria de imprensa, publicidade. Ficar conhecido no bairro já custava caro. Visto no mundo, impensável.

E hoje? Bem, com a tecnologia da informação ficou fácil trabalhar em casa. Qualquer um pode imprimir catálogos com qualidade fotográfica, ter uma telefonista digital, fachada na Internet e recursos de comunicação para falar até com Marte se lá tiver alguém para atender. Com pouco investimento é possível criar uma empresa que é um sonho. Literalmente falando. Ou um pesadelo, realmente falando.

Se por um lado a tecnologia esticou a perna dos negócios, por outro ela também encurtou a perna da mentira. Mentira agora tem a perna mais curta ainda. Por sua vez, os clientes têm igual poder tecnológico para recomendar ou arrasar, só que multiplicado pelo número dos que são ludibriados, infinitamente maior do que o das empresas que ludibriam.

Credibilidade é fruto de habilidade edificada sobre o alicerce da verdade. Quando visito um cliente, quero conhecer que lastro de realidade existe por trás de sua capacidade. Meu avô já dizia que nem tudo que reluz é ouro e nem todo sapato é de couro. Se eu não ficar convencido, será que consigo convencer alguém com a estratégia de comunicação que ele quer contratar?

Consigo, mas não devo. Quando jovem, trabalhei em vendas para uma empresa cujo catálogo estava visivelmente ultrapassado. As fotos eram de pessoas da década de quarenta, mas a empresa não era tão velha assim. Descobri depois que era tudo forjado, até a foto da fábrica, que nunca existiu. Solidez e tradição, só mesmo na aparência dos impressos.

Alguém poderia chamar isso de marketing, mas não é. O verdadeiro marketing procura dourar, não a pílula da ilusão, mas os resultados de uma solução. É todo um processo que visa criar valor para o cliente. Em minha profissão corro esse risco de parecer o que não sou. Por me valer das letras, da oratória e da tecnologia da informação, há quem pense que sei mais do que conheço. A tentação de me deixar embalar nesse regaço é grande, e às vezes me pego cofiando a barba de uma sabedoria emprestada. Como a barba do irmão daquela garota.

Pois é, além da mãe, ela tinha um irmão. Garotas despojadas de acessórios e vínculos você só encontra no cinema. Na vida real elas saem de fábrica com sogras, irmãos e cunhados. E foi na fila do cinema que eu e a garota acabamos encontrando seu irmão, o jovem que eu sonhava ter como cunhado. Ele estava ali tentando entrar para assistir um filme proibido para menores. Sim, ele era menor.

Tão menor, que parecia precoce com aquela barba por fazer, cujos pelos, quando vistos de perto, pareciam ter crescido nas mais impossíveis direções. A irmã não quis se privar do prazer de me contar qual era o estratagema do garoto. Sua barba era, na verdade, uma mistura de cola e pó de barba retirado do barbeador do pai. Segundo o garoto, entrar no cinema com aquele disfarce era uma barbada. Acreditei.

E você, acreditaria se eu dissesse que a garota estava apaixonada? Estava. Ela transpirava isso por todos os poros. Seus olhos verdes brilhavam com o colírio da emoção. Sua pele, qual nuvem flagrada por tentar esconder o sol da paixão, denunciava um rubor só comparado à cor ruiva artificial de seus cabelos. E quando falava... Ah! Faltam-me palavras para descrever.

Talvez porque falar tenha sido o que ela mais fez. O tempo todo que esteve comigo ela só ficou falando de um tal fulano que conhecera uns dias antes e a pedira em namoro. O que eu achava? Sugeri que aceitasse. Devia ser um cara legal.

Mario Persona é palestrante de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional. Seus serviços, livros, textos e entrevistas podem ser encontrados em www.mariopersona.com.br

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