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Mensagem a um executivo - Mario Persona



https://youtu.be/A0ZhbUlp5fM

Olá Zé. Doutor José?! Deixe disso, cara, hoje vou tratá-lo de Zé mesmo, pois um dia você foi só isso. Quero falar com você. Pode me dar cinco minutos? Dois? Sei que não tem tempo, que está correndo feito louco, mas o que quero dizer é importante para você não ficar assim mesmo — louco — quando a correria acabar.

É verdade, a correria acaba, nada dura para sempre. Quantas vezes nos últimos dias você ouviu a frase "Não trabalha mais aqui" ao ligar para alguém? Antigamente não tinha disso, né Zé? Pois é, novos tempos. Seja humilde. Muito daquilo que você hoje pensa que tem não é seu. É da companhia ou do posto que ocupa.

Sabe o Júnior, aquele cheio de MBA disso e MBA daquilo, que fala até mandarim? Olha, Zé, é melhor você emagrecer porque seu paletó vai para ele. Se um dia você já foi o rei da cocada preta, hoje não é mais. Isso mudou. Deu cem dias sem resultados e vai ter alguém atendendo seu telefone e dizendo: "Não trabalha mais aqui".

Tudo bem que você vai sair como quem sai e não como quem é saído. Executivos são jogados na rua com tapete vermelho, até para resguardar a imagem da empresa. Vão dizer que saiu para desenvolver projetos próprios (leia-se "procurar emprego"), buscar novos desafios ("pesquisar nos classificados") e se dedicar mais à família ("viver à custa da patroa").

Por isso, comece a baixar a bola porque ela é emprestada. Devagar com seu próprio andor, porque você é de barro. Pode nem ser você quem está na reta, mas seu chefe ou o patrão. Empresários também são demitidos pelo mercado.

Quando jovem, negociei com um empresário a renovação do aluguel de um imóvel que pertencia a ele, ocupado pelo banco para o qual eu trabalhava. Muito dinheiro. Fumando charuto e entediado com a negociação na enorme mesa, numa enorme sala do enorme prédio de sua enorme empresa, ele baforou em minha cara a conclusão nada humilde:

— Vá lá, fica por isso mesmo. Esse aluguel eu gasto num final de semana só de combustível para meu iate.

Na certa seu iate também era enorme e devia beber muito porque poucos anos depois ele não tinha nem iate, nem empresa, nem charuto. Só fumaça. Os tempos são outros, por isso seja humilde, Zé. Como assim, seja humilde?

Bem, fuja do perfil do executivo que vi uma vez jogando golfe em um resort. Prepotente, altivo, desses que culpam tudo e todos por seu próprio fracasso, era um show à parte. Chamava a atenção com seus chiliques, lançando impropérios contra a grama e culpando-a por não conseguir acertar o buraco. Isso foi há alguns anos. Não sei se ele comeu grama melhor desde então.

É provável que você não se aposente como executivo. Pouca gente vai conseguir. Acostume-se com a ideia de não estar no próximo congresso para ver o Peter Drucker e outros gurus. Mesmo porque até o grande Drucker passou, como todos passam e um dia você vai passar também. Por isso, seja humilde.
Aprenda desde já a viver como um simples mortal — pegar fila em banco, andar de ônibus, comer pastel de feira. Pode não ter o glamour com o qual está acostumado, mas é menos estressante do que a vida que você leva agora. Por sinal, lembre-se de deixar o glamour na portaria junto com o crachá. Pertence à empresa.

Não se iluda com sua rede de relacionamentos. Muitos são amigos apenas da donzela que viaja de Zepelim. Quando o balão se vai, você volta a ser para eles a Geni da música do Chico. Nessas horas vale até ligar para todos aqueles cartões de executivos que você guardou na gaveta para quando precisasse. Mas não se espante se, na maioria das vezes, só ouvir a mesma frase: "Não trabalha mais aqui".

Comece a desenvolver um "Plano B", um "Plano C" e não se acanhe se precisar chegar a um "Plano Z". Quanto mais opções, melhor. Você pode acabar virando consultor ou até palestrante como eu. Você não imagina o currículo que têm as pessoas que me procuram atrás de dicas de como palestrar, achando que esta é a aposentadoria padrão de todo executivo. Fico até constrangido de pensar que possa ter algo a ensinar para pessoas com uma bagagem tão maior que a minha.

Faça já um diagnóstico de suas competências. Existe algo mais que saiba fazer? Sei lá, cozinhar, costurar, fazer de conta que sabe fazer contas. São coisas úteis para quando você abrir seu restaurante por quilo, sua confecção de biquínis ou começar a fazer em casa a contabilidade de seus novos clientes. Tudo bem, pode se apresentar como "chef", "designer de moda" ou "personal finance coach", quando fizer a declaração do imposto de renda dos amigos em seu "home-office". Pode usar esses termos, se quiser acrescentar algum glamour às suas novas atividades. Mas se não souber fazer nada, seja humilde e volte a estudar.

Tem mais uma coisa: dê atenção à sua família, se tiver sobrado uma. Geralmente esposa, filhos e irmãos são tudo o que resta quando a idade vem e a carreira vai, levando junto os amigos de copo e coffee-break. Isso quando resta, se você não os tratou como resto e cuspiu no prato nativo enquanto comia em louça chinesa com os talheres de prata da ingrata empresa.

Quer mais? Sabe aquela menina que poderia ser sua neta e chama você de gato, que diz que grisalhos são charmosos e carecas têm um brilho todo especial? Não acredite nela. Ninguém saliva tanto assim por um prato de pelancas. Ela está mais interessada numa viuvez bem-sucedida com pensão garantida, do que em ficar passeando em alguma estância de água mineral de braços dados com um tiozinho decrépito.

Não tenho mais dicas para dar. Ah, sim! Mais uma: seja humilde. Eu já disse? Tudo bem, é a idade. Por falar nisso, qual é a sua? Sabe que isso influi, não sabe? Pois é. Por falar em humildade, conheço empresários e executivos que já trabalham assim, dando exemplo de humildade e fazendo do ato de servir uma característica de sua imagem profissional.

Durante o almoço em um evento, o dono do grupo de indústrias que me contratou interrompeu o que estava fazendo para me cumprimentar. O que estava fazendo? Servindo as mesas. Outro, presidente de uma multinacional, agarrou minha mala e carregou-a até meu carro no estacionamento do hotel, diante dos olhares atônitos dos que seguem suas ordens no dia-a-dia da empresa. Executivos malas vão desaparecer. Os que não têm vergonha de carregá-las irão sobreviver. Portanto, seja humilde.
Eu sei, eu já disse.


Mario Persona é palestrante de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional. Seus serviços, livros, textos e entrevistas podem ser encontrados em www.mariopersona.com.br

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