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Criatividade no ensino

What is this, what is that?
It’s a table, it’s a chair;
What is that Mister Payne?
It’s a big airplane.

What is that, what is this?
It’s a book, it’s a kiss;
What is that silver chain?
It’s a subway train.


Era assim que eu começava minhas aulas de inglês no Colégio Estadual Moisés Nunes Bandeira, em Alto Paraíso, Goiás. O ano? 1979. A razão de estar ali? Mudar o mundo. Era só isso que me propunha a fazer quando mal tinha completado 24 anos de vida, menos da metade dos que já colecionei até aqui.

Uma espécie de Projeto Rondon privado e acalentado fizera com que eu engavetasse um diploma de arquiteto ainda fresco — o diploma — e partisse paitrocinado para o sertão de Goiás numa Kombi repleta de tralhas e sonhos. Lá eu aprenderia que o mundo é muito grande para ser mudado, mas as pessoas não. Mesmo sendo maiores que o mundo.

Meu primeiro desafio era fazer aquela garotada — a maioria nascida e criada virgem de TV — aprender a falar Inglês. Além de soletrar Matemática, viajar de Ciências e discutir Organização Social e Política Brasileira, quando ainda era proibido colocá-la em discussão no ano em que Geisel saía e Figueiredo entrava.

Adotei um método audiovisual — eu cantava ao som de meu violão de doze cordas enquanto duas dúzias de olhos me viam gingar — após perceber que nada no mundo iria fazê-los acreditar que seria preciso aprender inglês. Se aprenderam eu não sei, mas poderia apostar que hoje, mais de vinte anos depois, deve ter algum pai ou mãe lá no meio de Goiás cantando "What is this, what is that?" para seu filho dormir.

A receita da aderência da mensagem ficava por conta dos ingredientes que inconscientemente eu usava naquele método improvisado: idealismo, bom-humor, ousadia e paixão. As notas vibrando no ar tinham o efeito de destruir barreiras e despertar o apetite da garotada pelo novo. Sim, eles cantavam juntos. E como cantavam!

Só muito tempo depois eu iria aprender o poder da criatividade na educação — na demolição dos feudos de resistência psicológica criados por nada menos que a própria educação. Pablo Picasso dizia que toda criação começa com um ato de destruição, mas é o professor vivido por Robin Williams no filme "Sociedade dos Poetas Mortos" quem pincela isso na tela e em cores. Lá os alunos da Welton Academy são incentivados a arrancar as páginas quadradas de um livro retangular e a subir nas mesas em busca de uma visão alternativa do lugar.

Em um e-book intitulado "Sly as a Fox", Mark L. Fox, que deve ser parente do título, informa que "A criatividade de uma criança diminui 90% dos 5 aos 7 anos. Aos 40 sua criatividade equivale a apenas 2% da que tinha". Se ele disse isso com base em alguma pesquisa científica ou em sua criatividade não vem ao caso aqui. O que importa saber é que a educação convencional vai entupindo nossa capacidade de criar por estimular demasiadamente a razão.

Na escola aprendemos que saber responder é mais importante do que saber perguntar. Que errar é errado, não aprendizado. Que quem copia não aprende. Que estudar é para se fazer sozinho. Que concentração é importante e a interrupção, irritante. Que devemos ser especialistas. Que tira a melhor nota quem souber escrever. Que a precisão é a deusa da educação. Só depois — muito depois — vamos descobrir que fora da redoma acadêmica as coisas nem sempre são assim.

Já que estamos falando de criatividade, não é com um mundo de dados precisos que precisamos lidar quando saímos da escola, mas com um oceano de ambigüidades. Onde somos obrigados a ser generalistas o suficiente para sobreviver às mudanças, e onde não é quem escreve bem que tira a melhor nota, mas quem fala melhor. Ou quem copia.

Espere, não arranque os cabelos ainda. Não falo da cópia copy-paste, mas da cópia que empresta o criado de alguém para ajudar a dar a primeira volta na roda de uma nova criação. Numa cena do filme "Encontrando Forrester" — aquele em que James Bond recebe a difícil missão de ser escritor — Sean "Forrester" Connery ensina seu pupilo a escapar da cela que aterroriza todo escritor: a folha em branco. O primeiro parágrafo é copiado apenas para estimular Tico e Teco a encontrarem seu próprio caminho numa aventura toda original.

Ambos — Tico e Teco — trabalham nos resultados, mas não é Tico, o advogado, o criativo. Tico mora na toca esquerda de nossos hemisférios cerebrais, e cuida de tudo o que tem razão. Ele é viciado em ordem, análise e literalidade. Seu televisor é preto e branco, seus rascunhos são grifados a régua, detesta interrupções e não sai de sua agenda nem para morrer.

Na toca ao lado mora Teco, o artista. Ele descobre o contexto, vive em emoção e é hábil na síntese. Teco não se prende a padrões e nem tem TV — o que tem é uma bolha, dentro da qual flutua enquanto assiste a tudo de sua poltrona giroscópica numa tela multidimensional com som polifônico. Teco — pode até chamá-lo de Teté se preferir — é intuitivo e faz mais de uma coisa ao mesmo tempo, todas elas novas. Não tem hora nem agenda, vê nas interrupções oportunidades e só viaja de Hellman's Airlines.

Teco, o artista, só tem um problema. Tudo o que cria e faz só sai da árvore neurológica passando pela toca de Tico, o advogado. Este é o filtro que transforma a criação de Teco em comunicação legível e inteligível para os outros Ticos e Tecos que habitam a floresta da humanidade. Muita criatividade é filtrada aí, na toca da razão, onde não há lugar para o devaneio, o sonho ou a imprecisão.

O mesmo acontece no sentido inverso. Toda informação que chega à árvore de nossos esquilos cerebrais passa primeiro pelo dr. Tico. Ele verifica tudo sentado em sua escrivaninha iluminada pela lâmpada da razão, antes de destinar o que sobrar — não muito, diga-se de passagem — aos arquivos memoriais. Enquanto isso Teco ouve música, se encanta com poesia ou mergulha nas cores de uma obra de arte. Coisas sem qualquer importância ou significado para o dr. Tico.

Numa classe habituada às rudezas da vida no campo e à falta de perspectivas que ultrapassassem seu curral e arraial, aprender inglês nada tinha de lógico ou racional. Era caso de expulsão sumária da mente, perpetrada pelo dr. Tico, por absoluta falta de lógica. Pois era aí que eu entrava em campo para driblar o doutor. Com criatividade, arte e emoção. Tudo o que vem revestido de arte, rima e compasso entra pela porta ao lado do escrutínio da razão.

Em seu livro "A Whole New Mind - Moving from the Information Age to the Conceptual Age" Dan Pink escreve: "A era do predomínio do 'hemisfério esquerdo' — e a Era da Informação que este criou — está dando lugar a um novo mundo onde as qualidades do 'hemisfério direito' — criatividade, empatia, significado — governarão". E completa: "O MFA", ou Master of Fine Arts, "é o novo MBA", ao apontar para um mundo onde as pessoas buscarão cada vez mais significado, conceitos e experiências.

É claro que eu não sabia tudo isso na minha juventude, quando cantava e dançava despreocupadamente para aquelas duas dúzias de alunos com meu violão de doze cordas preso a uma alça colorida pendurada no pescoço:

What is that, what is this?
It's a book, it's a kiss;
What is that silver chain?
It's a subway train.


Mas lá eu entendi que nem tudo podia ser só festa e que Tico e Teco precisariam trabalhar em parceria se quisessem ter uma criatividade operacional. Vi isso quando um aluno perguntou:

— Professor, o que é subway train?

Expliquei que subway train significa metrô, um trem que anda por túneis sob a terra. O silêncio que se seguiu mostrou que ainda faltava algo. Então uma aluna sincera e ousada levantou a mão. Sua pergunta me fez ver o quanto de trabalho de base eu ainda precisaria fazer naquelas mentes que nunca tinham estado em paragens abaixo daquele Alto Paraíso:

— Professor, o que é trem?



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